Debruçado na tarde lanço a mais triste rede
aos teus olhos oceânicos.
Nela se estende e arde na mais alta fogueira
minha solidão que gira os braços como um náufrago.
Faço rubros sinais a teus olhos ausentes
que ondulam, como à beira de um farol, o oceano.
Guardas apenas trevas, fêmea longínqua e minha.
De teu olhar emerge às vezes o litoral do espanto.
Debruçado na tarde lanço a mais triste rede
a esse mar que sacode os teus olhos oceânicos.
Os pássaros noturnos bicam as primeiras estrelas
que cintilam como minha alma quando te amo.
A noite galopa em sua égua sombria
esparramando azuis espigas pelo campo.
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Perdi algumas deusas no caminho do sul ao norte,
e também muitos deuses no caminho do oriente ao ocidente.
Extinguiram-se para sempre umas estrelas, abra-se o céu.
Uma ilha, depois outra mergulhou no mar.
Nem sei direito onde deixei minhas garras,
quem veste meu traje de pelo, quem habita minha casca.
Morreram meus irmãos quando rastejei para a terra,
e somente certo ossinho celebra em mim este aniversário.
Eu saía da minha pele, desbaratava vértebras e pernas,
perdia a cabeça muitas e muitas vezes.
Faz muito que fechei meu terceiro olho para isso tudo.
Lavei as barbatanas, encolhi os galhos.
Dividiu-se, desapareceu, aos quatro ventos se espalhou.
Surpreende-me quão pouco de mim ficou:
Uma pessoa singular, na espécie humana de passagem,
que ainda ontem perdeu somente a sombrinha no trem.
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