Em certas brechas do sonho e da vigília
quase vemos os fios que nos conduzem
umas vezes com tal zelo umas vezes
com total desleixo. É quando
Nos movemos com a nítida impressão
de um teatro atado aos ossos
e de que somos arrastados
contra a nossa própria vida.
Só o que chamamos de absurdo
parece dar a tudo algum sentido.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo,
que tecido, se eleva por si: luz balão.
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