Só o sonho é inevitável. Quanto ao resto,
há sempre a possibilidade aberta
de fazer outro gesto, dizer uma
palavra que é o contrário de si mesma.
De puro há a alucinação, a imagem
de alguma coisa rara escorregando
por entre dedos que se fecham em garra,
grudentos de vazio. (Fora a caneta,
é claro.) De absoluto há sempre o corpo
com seus prolongamentos –braços, pernas,
uma cabeça que inventa tudo-
e essa vontade à toa de ser só
o que a janela mostra, um chão, um poste,
uma paisagem áspera de rua.
Não sou eu que escrevo o meu poema:
ele é que se escreve e que se pensa,
como um polvo a distender-se, lento,
no fundo das águas, entre anêmonas
que nos abismos do mar despencam.
Ele é que se escreve com a pena
da memória, do amor, do tormento,
de tudo o que aos poucos se relembra:
um rosto, uma paisagem, a intensa
pulsação da luz manhã a dentro.
Ele se escreve vindo do centro
de si mesmo, sempre se contendo.
É medido, escrito, minudente,
música sem clave ou instrumentos
que se escuta entre o som e o silêncio.
As palavras em que em vão o invento
não são mais que ociosos ornamentos,
e nenhuma gala lhe acrescentam.
Seja belo ou, ao invés, horrendo,
a ele que cabe todo o engenho,
não a mim que apenas o contemplo
como um sonho que se sustenta
sobre o nada, quando o mito e a lenda
eram as vísceras de que o poema
se servia para ir se escrevendo.
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Eliminei o excesso de paisagem
simplifiquei toda a decoração
retirei quadro flores ornamentos
apaguei velas copos guardanapos
e a música
Bani a inutilidade do discurso
Na mesa de madeira
nua
apenas dois pratos
brancos
sem talheres
O banquete será tua presença
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