Tag: Eucanaã Ferraz
Em certas brechas do sonho e da vigília
quase vemos os fios que nos conduzem
umas vezes com tal zelo umas vezes
com total desleixo. É quando
Nos movemos com a nítida impressão
de um teatro atado aos ossos
e de que somos arrastados
contra a nossa própria vida.
Só o que chamamos de absurdo
parece dar a tudo algum sentido.
Repare, Cícero, que os copos se tornam
mais leves quando cheios de vinho.
E você há de concordar comigo, a cada copo
essa impressão cresce. Deuses, vazio,
canções, vinho: este é um poema sobre poemas
e amizade.
Repare que o mesmo se dá conosco: o peso
faz-se leve em nós se um verso nos acontece.
A pulga que picou Murilo Mendes
veio pular aqui na minha rede;
não me perguntem como adivinhá-la,
não há ciência mas eu sei que é ela;
decerto mais vetusta que Murilo,
à sombra das pirâmides do Egito,
picara escribas, sacerdotes, putas,
saltando sobre as altas sepulturas;
para mim é uma honra e uma alegria
pulga assim, tão velha e tão distinta,
sugar-me o sangue e no seu sangue-síntese
juntar-me a tanto e, por conseguinte,
ó ectoparasita hematófago,
o teu salto há de ser minha metáfora
para dizer tudo o que sei do nada
que sei de nossa pouca eternidade.
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Tags: Egito, Eucanaã Ferraz, honra, metáfora., pirâmides, pular, pulga, putas, rede, sacerdotes, sangue
Demore-se no carinho,
de modo que no rosto do outro
vá a mão como se não fora
voltar. Repita,
demorando-se mais,
de modo que a mão descanse
naquele rosto, como se,
e se esqueça de que.
Repita, demore-se no carinho
como se a mão desse adeus,
agarrada ao rosto que se vai.
Outra vez: repita,
demorando-se mais
e mais, como se a mão bebesse
daquele rosto para, saciada, dormir
ali mesmo, ao pé da fonte.