A CERIMÔNIA DAS NUVENS

1.
Imenso papel azul 
 estende-se sobre a Terra. 
 Plural o que nele cabe, 
 acolhe a palavra nuvem.
A nuvem é singular 
 no mundo-dicionário,
 mas se livre, é ave lépida, 
 vive em bandos, coletiva.
De seu ninho, vento e água, 
 flui bálsamo fecundo, 
 e a bruma deste cio
 
exige contemplação.
2.
Não cabe no peito 
 a cerimônia das nuvens 
 quando tinge de arabescos 
 o papel azul do céu.
É quando as nuvens estouram: 
 surgem velas peixes 
 monstros 
 bizarros gigantes que andam.
Se olhamos, não colhemos 
 a completa intenção 
 do celeiro transformante.
Mudam sempre os enredos 
 por contínua invenção? 
 Ou as formas são andantes 
 pois que buscam posição 
 para espiar nossos segredos?
Incomunicáveis, 
 as nuvens tecem casulo 
 de onde voarão 
 estrelas.
3.
O prazer do movimento 
 se retira, 
 ganha o ar novo alento, 
 geometria.
Surgem retas e quadrados, 
 olaria, 
 singular jogo de dados, 
 sintonia.
Surgem sombras ao esquadro, 
 contramão 
 de desejos ansiados, 
 ilusão.
Popular ensinamento 
 denuncia: 
 céu pedrento é chuva ou vento, 
 poesia.
4.
O dentro da palavra céu
 esconde a seiva e os vapores, 
 tintura de sonhos e cores, 
 da alma das algas do mar.
Cardume de tintas agrestes 
 esculpe com asas e alarde 
 fantástica teia no oeste, 
 a paz em laranja das tardes.
De repente, o movimento 
 desmancha a fotografia, 
 rolam pedras, rola o vento 
 desperta a artilharia.
Céu de britas, não de nuvens, 
 arrebenta algum tinteiro 
 que guardava só o cinza, 
 cor retida em cativeiro.
Livre o cinza se espalha, 
 não de leve, se amontoa. 
 Vejo que entra desta dor 
 no segredo das pessoas.
5.
Encharcado, 
 de horizonte a horizonte, 
 vibra o ar 
 seus arpejos de fonte.
Pressionado, 
 roga o mar sua origem, 
 a saudade 
 impõe às nuvens vertigem.
Abafado, 
 todo o cinza se encurva, 
 principia 
 a cerimônia da chuva.


