POEMA DE AMOR 7

Debruçado na tarde lanço a mais triste rede
aos teus olhos oceânicos.

Nela se estende e arde na mais alta fogueira
minha solidão que gira os braços como um náufrago.

Faço rubros sinais a teus olhos ausentes
que ondulam, como à beira de um farol, o oceano.

Guardas apenas trevas, fêmea longínqua e minha.
De teu olhar emerge às vezes o litoral do espanto.

Debruçado na tarde lanço a mais triste rede
a esse mar que sacode os teus olhos oceânicos.

Os pássaros noturnos bicam as primeiras estrelas
que cintilam como minha alma quando te amo.

A noite galopa em sua égua sombria
esparramando azuis espigas pelo campo.

Pablo Neruda/ 20 Poemas de Amor e uma Canção Desesperada/ 1942

SEI-OS BEM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sei-os bem
como sei em ti meus olhos:
cheios.

 

Edival Perrini/ Armazém de Ecos e Achados/ 2001

SANGUE DO MEU SANGUE

A pulga que picou Murilo Mendes
veio pular aqui na minha rede;
não me perguntem como adivinhá-la,
não há ciência mas eu sei que é ela;

decerto mais vetusta que Murilo,
à sombra das pirâmides do Egito,
picara escribas, sacerdotes, putas,
saltando sobre as altas sepulturas;

para mim é uma honra e uma alegria
pulga assim, tão velha e tão distinta,
sugar-me o sangue e no seu sangue-síntese
juntar-me a tanto e, por conseguinte,

ó ectoparasita hematófago,
o teu salto há de ser minha metáfora
para dizer tudo o que sei do nada
que sei de nossa pouca eternidade.

Eucanaã Ferraz/ Sentimental/ 2012

MEMÓRIA DA MANHÃ

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Crédito da foto: Claudinho Brasil

A manhã vai longe
quando os pássaros dormem
e as cores sonham
o prefácio do dia.

Edival Perrini/ Pomar de Águas/ 1993

A MOÇA DO SONHO

Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó.

Por encanto voltou
Cantando à meia-voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu

Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo, talvez.

Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava
Jamais.

Edu Lobo e Chico Buarque/ Cambaio/ 2001

Edival Perrini

Edival Antonio Lessnau Perrini nasceu em Curitiba-PR, em 23 de outubro de 1948, onde cresceu e reside. Saiba +

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