
A ilha que interrompe o prumo do horizonte
põe virgulas na utopia,
põe graça nas reticências do litoral.
Não saber o nome da ilha
me permite batizá-la,
batizá-la de novo,
surfar sobre sombras.
Por vezes,
a ilha que interrompe o prumo do horizonte
é um ponto final.
Esta ilha eu evito,
ela me põe triste como a neblina.
CRÉDITO DA FOTO: Jeferson Vasconcellos.
Perdi algumas deusas no caminho do sul ao norte,
e também muitos deuses no caminho do oriente ao ocidente.
Extinguiram-se para sempre umas estrelas, abra-se o céu.
Uma ilha, depois outra mergulhou no mar.
Nem sei direito onde deixei minhas garras,
quem veste meu traje de pelo, quem habita minha casca.
Morreram meus irmãos quando rastejei para a terra,
e somente certo ossinho celebra em mim este aniversário.
Eu saía da minha pele, desbaratava vértebras e pernas,
perdia a cabeça muitas e muitas vezes.
Faz muito que fechei meu terceiro olho para isso tudo.
Lavei as barbatanas, encolhi os galhos.
Dividiu-se, desapareceu, aos quatro ventos se espalhou.
Surpreende-me quão pouco de mim ficou:
Uma pessoa singular, na espécie humana de passagem,
que ainda ontem perdeu somente a sombrinha no trem.
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